Caminhos para o futuro

José Horta Manzano

Corre por aí uma passagem curiosa que teria tido, como personagem principal, Georges Clémenceau (1841-1929), homem de forte personalidade, primeiro-ministro e estadista francês. Segundo a historieta, um dia alguém teria dito a ele que o Brasil era o país do futuro. E Clémenceau, na lata: «E vai continuar sendo por muito tempo».

A historinha é maldosa, mas, convenhamos, não desprovida de conteúdo. A prova é que ainda hoje, passado um século, continuamos dizendo que o nosso é o ‘país do futuro’. Um futuro que, ai de nós, nunca chega. Não chega na vida real – no nosso falar, é diferente. Que utilizemos fala tensa ou linguajar caseiro, temos nada menos que quatro caminhos para indicar o futuro.

Futuro sintético
O nome soa técnico, mas nada mais é que a frase com o verbo no futuro simples.
O presidente fará um discurso amanhã.
Os deputados reassumirão os trabalhos segunda-feira que vem.

Futuro perifrástico 1 (com ir)
Apesar do nome assustador, é a maneira mais popular de transmitir a ideia de futuro. Em português moderno, damos preferência ao verbo ir + verbo principal no presente.
Os vizinhos vão dar uma festa no fim de semana.
O prefeito vai receber alta amanhã e vai voltar pra casa.

Futuro perifrástico 2 (com querer)
Em alguns casos, o português antigo se valia do verbo querer pra exprimir ideia de futuro. Esse uso anda quase extinto. Ainda assim se ouve, aqui e ali, alguma relíquia.
Parece que quer chover.
Este gás quer acabar; qualquer hora, não sai mais nada.

Presente com função de futuro
Com frequência bem maior do que a gente imagina, usamos o presente do indicativo pra indicar ação futura. Quer ver?
Amanhã faço uma surpresa para a família: trago um bolo de sorvete.
Hoje à tarde, não saio; fico em casa pra terminar o trabalho que comecei ontem.

Viu? Além da nossa, não conheço nenhuma outra língua com quatro maneiras de formar o futuro. Muitas línguas têm dois caminhos. Três já é mais raro. Quatro, que eu saiba, só nós.

Para formar o futuro perifrástico (verbo auxiliar no presente + verbo principal no infinitivo), o que se vê é o seguinte:

Francês
Usa unicamente o verbo ir (aller)
Je vais nager dans la mer demain
Vou nadar no mar amanhã

Inglês
Usa o verbo will, que dá ideia de pretender, decidir:
I will eat in a restaurant tomorrow.
Vou comer num restaurante amanhã.

Alemão
Usa o verbo werden, que dá ideia de transformação, de vir a ser, de tornar-se:
Ich werde hier bleiben.
Vou ficar aqui.

Pensando bem, ainda que o futuro nunca chegue, é sempre melhor ser país do futuro do que país do passado, como há alguns por aí. Nossos hermanos argentinos são exemplo de povo que dirige com o olho grudado no retrovisor, pensando, com nostalgia, como seria bom se voltassem aqueles bons tempos de riqueza e glória.

Se for dirigir, olhe pra frente. Dá mais certo. Pra terminar, vão aqui os quatro caminhos para o futuro em exemplos automotivos:
A qualquer hora, esse pneu estourará.
Esse pneu vai estourar a qualquer hora.
Esse pneu quer estourar a qualquer hora.
A qualquer hora, esse pneu estoura.

Deixe um comentário